Rafaela Maria Porras y Ayllón nasceu em Pedro Abad, província de Córdova (Espanha), a 1 de março de 1850. Dos seus pais recebeu uma educação cristã, especialmente eficaz porque baseada no exemplo. Santa Rafaela Maria tinha quatro anos quando seu pai, alcaide de Pedro Abad, foi contagiado por uma epidemia de cólera, por levar até ao extremo a sua entrega pessoal ao serviço dos pobres.

A educação recebida da sua mãe, uma mistura de solícita ternura e de suave exigência, fez amadurecer nela os melhores traços do seu temperamento.

Sempre atenta à voz de Deus, desde muito jovem decidiu entregar-se-Lhe completamente. Prova da sua vontade irrevogável foi o voto de castidade que fez aos quinze anos. A morte da sua mãe – quando ela tinha dezanove anos – foi outro momento forte na sua entrega a Deus. A partir de então, dedicou-se completamente aos mais carenciados e não havia na povoação uma necessidade ou dor que ela não consolasse.

Rafaela Maria viveu tudo isto com sua irmã Dolores , que também viria a ser fundadora do Instituto das Escravas do Sagrado Coração de Jesus.

Por caminhos inesperados, as duas irmãs, a 14 de Abril de 1877 estabelecem em Madrid a primeira comunidade de Escravas . Num ambiente de profunda fraternidade, viviam dedicadas ao culto da Eucaristia e à educação cristã de raparigas, sobretudo as mais pobres.


Testemunhas de Deus num mundo marcado pela dor de frequentes guerras, as primeiras Escravas trataram de, com todos os meios ao seu alcance, dar a conhecer o amor de Cristo, amor até à morte, expressivamente simbolizado no seu Coração aberto. Rafaela Maria e a sua irmã Dolores fizeram disto a missão do Instituto, que impulsionaram com o seu trabalho e deram vida com o seu espírito.

Depois de ter dirigido o Instituto durante dezasseis anos, Rafaela Maria teve de enfrentar momentos muito dolorosos. Por uma série de mal entendidos, as suas mais íntimas colaboradoras começaram a desconfiar dos seus atos, a pôr em dúvida as suas qualidades e inclusive a clareza do seu juízo. Ela, simplesmente, seguindo o conselho de pessoas autorizadas, resignou, a favor da sua irmã, do cargo de Superiora Geral. Sem amargura de coração, sem críticas, sem o menor ressentimento, vendo a mão invisível de Deus que, com infinito amor, modelava o seu barro, aceitou para o resto da sua vida – tinha quarenta e três anos – o martírio do “não fazer”.

Entregue à oração e às simples tarefas domésticas – nas quais soube traduzir o seu imenso desejo de ajudar o Instituto e a Igreja – Santa Rafaela Maria pode ver o crescimento daquela obra nascida do seu amor e fecundada pela sua dor. Sempre serena, acreditou contra toda a esperança no Deus fiel que pelos Seus caminhos, conduziria a obra que, por meio dela e da sua irmã, tinha começado.

No dia 6 de janeiro de 1925, em silêncio e em paz, entrou na alegria do seu Senhor . Foi canonizada pelo Papa Paulo VI a 23 de janeiro de 1977.

A festa de Santa Rafaela Maria celebra-se a 18 de maio , data da sua beatificação.

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O CAMINHO DE SANTIDADE DE SANTA RAFAELA MARIA

Uma religiosa santa é, basicamente, uma mulher realizada em Cristo . Isto é, uma mulher na qual os melhores valores do ser feminino, na sua forma específica de ser pessoa humana, à imitação de Cristo e sob o impulso do Espírito Santo, alcançaram plena maturidade.

Partindo desta base, podemos passar a descrever alguns aspetos distintivos desta mulher santa que alcançou a plenitude cristã enquanto consagrada e fundadora de um novo Instituto na Igreja.

Um santo é uma testemunha excecional da transcendência de Deus. A vida duma religiosa, como diz Paulo VI, deve ser para o homem “testemunho privilegiado duma procura constante de Deus, de um amor único e indiviso a Cristo, duma dedicação absoluta ao crescimento do Seu Reino”. (Evangelica Testificatio,3). Enquanto religiosa e Santa Rafaela Maria Porras y Ayllón deu esse testemunho. Enquanto fundadora, recebeu ainda a graça de transmitir o modo especial de viver o cristianismo que Deus lhe inspirou. Não recebeu o carisma da vocação só para ela. Recebeu-o também para nós. Para as Escravas , em primeiro lugar, mas também para todos os que de alguma forma se sintam vinculados a elas. Todos formamos uma grande família à volta deste carisma e espiritualidade que Santa Rafaela Maria recebeu para entregar ao Mundo.

A sua vocação à vida religiosa e a fundação do Instituto são uma longa procura na fé. O plano de Deus vai-lhe sendo revelado por etapas; que é como quem diz, em doses humanas. Ela e a sua irmã, que em Pedro Abad (aldeia perto de Córdova onde nasceram) tiveram uma vida de oração e de caridade que qualificaríamos de heroica, começam a caminhar por caminhos desconhecidos. Deus apresenta-se como o Senhor, o Dono dos nossos destinos, com direito a alterar os planos que fazemos para nós próprios. Nesse caminho que terminará por convertê-la em fundadora dum Instituto, não há outra luz senão a vontade de Deus, a Sua Palavra.

A propósito disto, é bom dizer que, para Rafaela Maria, o chamamento de Deus não tem nunca o eco duma voz misteriosa, espetacular. É como se, desde o princípio da sua vida, por uma compreensão profunda da Encarnação do Verbo, tivesse entendido que a voz de Deus adquire o timbre das vozes humanas; que Deus fala através dos acontecimentos. Mas esse coro de vozes da terra precisa duma espécie de intérprete, e Rafaela Maria, sempre humilde, escutará o “intérprete oficial”, o único intérprete autorizado: a Igreja.

Por caminhos inesperados, encontrar-se-á convertida em fundadora . Ela procurou puramente a Deus, com esse estilo especial, tão feminino, que é o deixar-se procurar e o deixar-se encontrar por Ele. Toda a sua vida é uma escuta, um acolhimento da Palavra de Deus, uma atitude de resposta incondicional. E Deus procurou-a a ela. Encontraram-se nesse ponto: ela, a pedra fundamental do Instituto e Ele, o sábio construtor. É um posto – o de fundadora – que, naturalmente, a ela não lhe agrada. Aceita-o com simplicidade, como aceita tudo na sua vida. Vive-o em plenitude e, quando chega a hora, abandona-o em completa paz. É a personificação da escrava, que, como diz um salmo, “tem os olhos postos nas mãos dos seus senhores”. É, sem comparações nem metáforas, a escrava. É modelo de Escrava do Sagrado Coração.

“Testemunha dum amor único e indiviso a Cristo”. Todos os santos procuraram Cristo com todo o seu ser, mas não há santo algum capaz de abarcar na sua procura, e muito menos no seu encontro, toda a riqueza de Cristo. Deus desborda-nos.

Rafaela Maria, desbordada por Deus, transmite-nos a todos nós a sua experiência pessoal de Cristo. Cristo é para ela o Deus que quis encarnar-se por amor, o Deus que ama com um amor pessoal, tão imediato e tão humano, que teve de concretizar-Se no Coração de um Homem, Cristo, para que pudéssemos palpar, duma maneira tangível, algo da Sua riqueza. Nos escritos de Santa Rafaela Maria é constante a memória de Jesus Cristo, do Seu Coração, do Seu amor, da Sua entrega. Às vezes fala num tom, diríamos, oficial ou litúrgico, como quando nos diz que “todos os bens nos vêm pelo Unigénito de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo; que por Seus méritos devem pedir-se todas as coisas, e que na Sua imitação está a nossa saúde e vida.”; “devo trabalhar em Cristo, por Cristo, para Cristo…”. Outras vezes em tom mais familiar, como quando diz que os homens do mundo inteiro são “filhos do Coração do nosso bom Jesus, e custaram-lhe todo o Seu sangue…”. Outras vezes com entusiasmo, como quando, nuns apontamentos de Exercícios Espirituais, diz que “sai muito disposta, animada e alegre por poder fazer algo pelo seu Capitão Jesus” (EE 1890). Quem nos dera a nós falar de Jesus Cristo com tanta espontaneidade e com tal riqueza de matizes.

Todas estas expressões poderiam ser simplesmente palavras sonoras, se não estivessem validadas por toda a sua vida de entrega a Cristo. Nuns Exercícios Espirituais, oferecia-se para dar “quanta maior glória pudesse ao Coração de Jesus, ainda que lhe custasse a honra e a vida” (EE 1890). Quando chegou o momento de dar a honra, manteve-se firme nesse propósito. Firme, serena, constante. E é nessa época, no meio da escuridão da sua vida, que escreve o que na realidade vivia: “que Ele me ame ainda que seja perdendo a pele que, esta, a perderam por disfrutá-l’O os inumeráveis santos que encerra esta bendita e santa cidade”. (Carta à Irmã M. del Carmen Aranda, 1892)

Rafaela Maria fez da sua vida inteira um ato continuado de confiança e fidelidade. E a sua vida ensina-nos que a primeira resposta que o homem pode dar ao amor é, precisamente, crer n’Ele. Como escreveu S. João: “Nós conhecemos o amor que Deus nos tem e acreditámos n’Ele” (1Jo.4,16). Ela teve uma experiência muito profunda do Coração de Cristo e está convencida de que dar-Lhe glória é sobretudo entregar-se pela salvação do mundo. Daí, o seu extraordinário interesse, a sua paixão pelos homens, pela humanidade. “Que se nos infunda bem o espírito do Instituto, que é o amor verdadeiro a Jesus na Eucaristia, e o interesse que devorava o Seu Coração pela salvação dos homens”. (Carta ao Cardeal de Saragoça, 1881) A sua vivência íntima, entranhável, do Coração de Cristo, leva-a à Eucaristia e, ao mesmo tempo, na Eucaristia encontra a fonte dum conhecimento cada vez maior, duma experiência mais íntima do Coração. Quer moldar a sua vida à vida mortal de Cristo, diz ela, e acrescenta de seguida: “ou à que tem no Santíssimo Sacramento”. Cristo está na Eucaristia renovando continuamente a Sua entrega pela salvação dos homens. Modelar a própria vida à de Cristo na Eucaristia é pôr-se em atitude de entrega contínua e “não por um número determinado de pessoas, mas pelo mundo inteiro”. (Carta à Comunidade de Córdova, em 1884). São palavras suas: “fomentar muito o zelo pelas almas, arder e abrasar-me em rogar para que nenhuma se perca” (EE 1896).

“Testemunho duma dedicação absoluta ao crescimento do Reino”, disse o Papa Paulo VI sobre a vida religiosa. Rafaela Maria, tanto na primeira fase da sua vida, em plena atividade, como nos anos do seu grande silêncio, ensina-nos como devemos viver unicamente para o Reino. Nuns apontamentos dos Exercícios Espirituais de 1890, expressava os seus enormes desejos de “como pudesse, ou senão com orações, fazer tudo para que Cristo seja conhecido e seja amado”. “Quando me veja sem ação física para estender o meu zelo, como são os meus desejos, contentar-me-ei em rogar e fazer suavemente o que possa da minha parte, como me ensina o meu Senhor”. Referia-se, aqui, a uma situação que entrevia como possível. Esta situação tornou-se realidade. Quando, em 1892, entrou no seu estado de ocultação, de vida oculta, Rafaela Maria compreendeu que tinha chegado a hora de “rogar e fazer suavemente o que podia da sua parte” (EE 1890). E com que plenitude o fez! Sem amargura, sem críticas. Ajudar todos e em tudo foi a sua forma de colaborar na extensão do Reino, na atividade apostólica do Instituto. Com a enorme generosidade do seu coração, soube alegrar-se com a vida, que continuava, enquanto ela avançava num caminho de esquecimento, de obscuridade. Nunca teve reticências para as pessoas nem para as novas situações. Em certa ocasião disse: “A mim não se me apaga o entusiasmo pelas coisas e gosto de ver que se o tenha” (Carta à Irmã M. del Carmen Aranda, 1895). E noutra ocasião comentava que o próprio da juventude é o desejo de trabalhar muitíssimo para dar glória a Deus; pelo que ver uma jovem religiosa, apática ou menos entusiasmada lhe produzia verdadeiro assombro e tristeza. Até poucos dias antes da sua morte, falou com carinho das novas gerações, daquelas jovens que vinham continuar a ação apostólica que ela se tinha visto obrigada a deixar, tão contrariamente à sua inclinação e desejo.

Rafaela Maria foi canonizada no dia 23 de janeiro de 1977 . Quando a Santa Sede aprovou o Instituto, foi como se nos dissesse, às Escravas, que este era um caminho de vida capaz de levar-nos à santidade. A canonização da nossa Fundadora é a afirmação rotunda, existencial, de que por este caminho, efetivamente, uma pessoa já chegou à santidade. Uma pessoa com as nossas dificuldades e debilidade, feita da mesma carne e do mesmo sangue que todos nós.

A canonização de Rafaela Maria é para nós um chamamento a vivermos mais profundamente a nossa vocação e a transmitirmos a todos o que por graça recebemos. Ensina-nos a procurar a Deus, a deixar-nos levar por Ele, sabendo que Ele é fiel. Convida-nos a uma maior experiência do Coração de Cristo, a uma revisão da nossa fé no amor, desse amor de Deus estremecedoramente humano, que O faz entregar-Se até à morte e permanecer constantemente entre nós. Como Rafaela Maria, todos nós somos chamadas a procurar essa presença na Eucaristia, nos homens e mulheres e nos acontecimentos dos nossos dias e a receber, no mistério de Cristo que atualiza a Sua morte e ressurreição, e na Sua glória invisível entre nós, o amor que nos une aos nossos irmãos e nos leva a procurar com eles a vinda do Reino.

Imaculada Yañez, aci