Muitas vezes, associamos a “vontade de Deus” ou a “voz de Deus” a uma experiência quase mística de descoberta de algo “pré-determinado”, uma espécie de mensagem escondida algures no universo que me há de ser revelada ou que eu tenho de decifrar. Ora, esta conceção provoca duas atitudes opostas, mas igualmente perigosas: o imobilismo (fico à espera de ouvir a “voz mágica” de Deus ou de ver escrita uma mensagem inequívoca da Sua vontade) e o voluntarismo (empenho-me em descobrir a vontade de Deus com as minhas forças, a partir unicamente das minhas certezas e convicções).

Nada mais afastado da realidade! A vontade de Deus é o fruto de uma história de amizade que se vai construindo entre mim e Deus e através da qual eu vou descobrindo, cada vez com mais clareza, o que eu realmente desejo. É assim que eu encontro a vontade de Deus para mim.

É preciso, no entanto, evitar algumas ingenuidades: o caminho de aprender a sentir e a ler o que sentimos não é claro nem imediato. É fácil confundir “o que eu quero” com “o que me apetece”; ou, no polo oposto, cair no idealismo que nos faz pensar que uns caminhos são mais “válidos” ou mais “importantes” do que outros (por exemplo, pensar que se for padre ou freira estou mais perto de Deus). Para chegar a Deus não há “autoestradas”: o Caminho é sempre Jesus e a única forma de chegar é descobrir a vontade de Deus para mim.

Como diz o Padre Vasco Pinto Magalhães, a vontade de Deus para mim é “aquilo que eu no fundo quero, à luz do Espírito Santo, depois de tirar os obstáculos”1. E continua:

a) “aquilo que eu no fundo quero”: o que eu quero e não o que me apetece. Não me apetece trabalhar, por exemplo, mas no fundo eu sei que devo e desejo cumprir esta obrigação… É no profundo do nosso coração que podemos «ouvir a voz» do Espírito.

b) “à luz do Espírito Santo”: O que eu realmente quero não se vê só à luz da ciência, da psicologia, da sociologia… trata-se daquilo que eu vejo que mais me identifica com Jesus, com o Seu estilo de vida e com o Seu Projeto, a construção do Reino.

c) “depois de tirados os obstáculos”: tanto os obstáculos que vêm de fora: a mentalidade dominante, as pressões sociais, as mais variadas tentações… como os que vêm de dentro: os medos, os preconceitos, o comodismo-egocentrismo e todas as defesas perante o que pode parecer exigente ou vai pôr em causa o que parece mais fácil e mais feliz.

Só quando me abro à graça de tirar os obstáculos do meu «eu» posso descobrir o que realmente sou e estou chamado/a a ser. E aquilo que eu sou é expressão da vontade de Deus em mim.

 

 

1. In Vocação e Vocações Pessoais, Braga, Ed.A.O., 20052, pp.59 e ss. (o livro completo encontra-se disponível online)