Clara Lito | 22 Fev 21 (artigo originalmente escrito para o site 7Margens)
No que respeita à atual situação sanitária, a verdade é que me sinto uma privilegiada (mesmo se nem sempre o reconheço!): aqui em França as medidas tomadas nos últimos meses, embora restritivas, têm sido razoáveis e eficazes (parece-me a mim que não sou especialista). Isto permite que muita gente (onde me incluo) continue a fazer uma vida mais ou menos “normal” (apesar do recolher obrigatório às 18h, o uso de máscara e o impedimento do acesso à cultura, ao desporto…).
Assim, como a minha missão é a pastoral do nosso colégio, continuo a cruzar-me todos os dias com muitas pessoas; no bairro onde vamos, um bairro de intervenção prioritária, continuamos a poder ter atividades com as crianças. E vivo em comunidade, por isso, quando chego a casa não estou sozinha, como tantos outros… Sim, não estou confinada, não me sinto angustiada… sou uma privilegiada!
A ir. Clara Lito (à esquerda), numa oração com crianças. Foto: Direitos reservados.
No entanto, sei que esta não é a situação da maioria. O que não me deixa descansada, desinstala-me, faz-me perguntar e pôr em causa a esperança que me sinto chamada a levar a outros.
Aqui em França, mesmo se não estamos (ainda) confinados, há muitos a sofrer com a pandemia: as pessoas que trabalham na área da cultura, os donos de bares e restaurantes, os estudantes universitários cada vez mais isolados e em situação de precaridade, as pessoas em teletrabalho, também isoladas; os doentes com outras doenças que esperam tratamento; para não falar na quantidade de pessoas desempregadas, sem perspetivas de futuro… Além disso, vivemos tempos de incerteza, de insegurança, sem saber muito bem o que nos reserva o que virá depois desta crise…
Vem-me muitas vezes à cabeça a pergunta: “Quando acabará tudo isto?” Uma pergunta cuja resposta ainda está para vir.
Enquanto espero, o que desejo mais profundamente é passar do desespero à esperança; do sentimento de incerteza à esperança de que, depois da morte há a ressurreição e que, apesar das feridas, a vida continuará a habitar-nos…
Como alimentar este desejo?
Começando por contrariar o “encerramento” em que vivemos e ao qual o confinamento nos vai (mal) habituando e sair de nós mesmos; tirar os olhos dos ecrãs e olhar os que realmente sofrem à nossa volta; não ficar dependente dos encontros “zoom” e sair ao encontro do outro, ligar àqueles que estão mais sozinhos, estar atentos às PESSOAS que nos rodeiam… Deixar a angústia da incerteza do que está para vir e acolher o presente, cada dia, como um dom e estar atentos às surpresas que ele nos reserva.
Este é um tempo de aprender a valorizar o que é realmente importante, de nos perguntarmos o que é essencial na nossa vida; de perceber a importância de gestos tão simples como um abraço ou um sorriso na cara do outro…
Este é um tempo de aprender a abraçar a realidade que nos é dada viver cada dia e de agir para que outro mundo seja possível: mudar comportamentos, perguntarmo-nos como estamos a cuidar da nossa Casa Comum, viver com menos “coisas” e com mais abertura às verdadeiras necessidades do mundo à nossa volta e estar atentos, muito atentos, aos mais pobres, aos que estão a sofrer esta crise a todos os níveis. Que eles sejam a prioridade das nossas decisões, das nossas opções, das nossas ações.
E, finalmente, AGRADECER. Agradecer a VIDA que nos é dada, agradecer tantas pessoas que trabalham para mudar a realidade, agradecer os médicos, os cientistas, as associações e os gestos de solidariedade que continuam a multiplicar-se e aprender com eles a não ficar de braços cruzados, a não nos habituarmos a esta rotina que nos isola nos nossos ecrãs…
Paris. Foto © Clara Lito.
Clara Lito é religiosa da Congregação das Escravas do Sagrado Coração de Jesus (neste momento a viver em Paris)